URGENTE. Justiça Eleitoral cassa chapa completa, prefeita, vice-prefeita e vereador em Analândia

Atualizado as 21hs44, de 30/09/25
O Juiz Eleitoral da 245ª Zona Eleitoral da cidade de Rio Claro/SP, Dr. Leonardo Christiano Melo, cassou os diplomas de Prefeita e Vice-Prefeito do Município de Analândia/SP, Silvana Marcia Perin Campbell Penna e Valdemir Mascia, nas Eleições Municipais de 2024.

Com a decisão em 1ª Instância, assume o Poder Executivo da Estância Turística Climática de Analândia/SP, é aguardado para as próximas horas os respectivos comunicados aos Poderes Executivo e Legislativo, por parte do TER, onde o presidente do legislativo, o vereador Paulo Sérgio Martins MDB), assume a cadeira do Executivo Municipal. Foto Acima.
O vice-presidente do legislativo analandense, José Luiz Vivaldi, (Progressista) um vereador que se destaca devido suas fiscalizações ao executivo, assume a presidência do legislativo. Foto abaixo.

Em sua decisão o magistrado ‘bateu o martelo’ “DECLARO A INELEGIBILIDADE de SILVANA MARCIA PERIN CAMPBELL PENNA e VALDEMIR MASCIA para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição de 2024, ou seja, até o ano de 2032.
Também, em seu despacho determinou a comunicação imediata, com urgência, ao Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo para as providências cabíveis, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral, incluindo: i) O afastamento imediato dos cassados dos cargos de Prefeita e Vice-Prefeito; ii) A análise quanto à necessidade de convocação de novas eleições para os cargos majoritários no Município de Analândia/SP; iii) A adoção de medidas transitórias para garantir a continuidade administrativa do município.
Da sentença cabe recurso, porém, deverá a prefeita e vice, ficarem fora da cadeira do executivo, aguardando os recursos.
Veja com exclusividade todo o teor da sentença:
Número: 0600897-51.2024.6.26.0245
Classe: AçãO DE INVESTIGAçãO JUDICIAL ELEITORAL
Órgão julgador: Número: 0600897-51.2024.6.26.0245
Classe: AçãO DE INVESTIGAçãO JUDICIAL ELEITORAL
Órgão julgador: 245ª ZONA ELEITORAL DE RIO CLARO SP
Última distribuição : 19/12/2024
Valor da causa: R$ 0,00
Assuntos: Abuso – De Poder Econômico, Abuso – De Poder Político/Autoridade, Captação Ilícita de Sufrágio
Segredo de Justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes | Advogados |
COLIGAÇÃO ANALÂNDIA DO BEM (REQUERENTE) | |
KATIA PEREIRA LOPES VIVALDINI (ADVOGADO) LUIS FERNANDO PESTANA (ADVOGADO) | |
SILVANA MARCIA PERIN CAMPBELL PENNA (INVESTIGADA) | |
VICTOR RONCATTO PIOVEZAN (ADVOGADO) | |
VALDEMIR MASCIA (INVESTIGADO) | |
VICTOR RONCATTO PIOVEZAN (ADVOGADO) |
Outros participantes | ||||
PROMOTOR ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO (FISCAL DA LEI) | ||||
Documentos | ||||
Id. | Data da Assinatura | Documento | Tipo | |
136993185 | 30/09/2025 14:11 | Sentença | ||

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SÃO PAULO JUÍZO DA 245ª ZONA ELEITORAL DE RIO CLARO SP
PROCESSO nº 0600897-51.2024.6.26.0245
CLASSE PROCESSUAL: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527)
REQUERENTE: COLIGAÇÃO ANALÂNDIA DO BEM
Representantes do(a) REQUERENTE: KATIA PEREIRA LOPES VIVALDINI – SP503185, LUIS FERNANDO PESTANA – SP208792
INVESTIGADA: SILVANA MARCIA PERIN CAMPBELL PENNA INVESTIGADO: VALDEMIR MASCIA
Representante do(a) INVESTIGADA: VICTOR RONCATTO PIOVEZAN – SP242595 Representante do(a) INVESTIGADO: VICTOR RONCATTO PIOVEZAN – SP242595
SENTENÇA
- RELATÓRIO
Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), ajuizada em 19 de dezembro de 2024 pela Coligação Analândia do Bem, composta pelos partidos MDB, PP, PSD e PSB, em face de Silvana Marcia Perin Campbell Penna e Valdemir Mascia, eleitos, respectivamente, para os cargos de Prefeita e Vice-Prefeito do Município de Analândia/SP no pleito de 2024.
A coligação requerente imputa aos investigados a prática de abuso de poder político e econômico, com o objetivo de influenciar ilicitamente o resultado das eleições, em violação ao disposto no artigo 22 da Lei Complementar nº 64/1990. As alegações, detalhadamente expostas na petição inicial (ID 134542799), fundamentam-se em três eixos principais de condutas consideradas ilícitas:
1.1. Aumento Desproporcional na Distribuição de Cestas Básicas
A requerente alega que a administração municipal, sob gestão dos investigados, intensificou de forma anômala a aquisição e distribuição de cestas básicas durante o período eleitoral. Aponta que a média mensal de aquisição, que era de 50 unidades no primeiro semestre de 2024, saltou para 120 unidades em julho e 70 unidades em setembro do mesmo ano, representando um aumento de até 140%.
Sustenta que tal incremento, não justificado por qualquer emergência social documentada, visava à captação ilícita de sufrágio, em afronta ao art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997. Para corroborar sua tese, anexou documentos de empenho e demonstrativos de despesas (IDs 134542805 a 134542811).
1.2. Elevação Exponencial de Gastos com Distribuição Gratuita de Bens e Serviços
A exordial aponta discrepância vultosa nos gastos gerais do município com a rubrica “Material, Bem ou Serviço para Distribuição Gratuita”. Demonstra que, enquanto em todo o exercício de 2023 foram despendidos R$ 40.281,22, no ano eleitoral de 2024, até o mês de outubro, o montante atingiu a cifra de R$ 546.113,90, representando um aumento superior a 1.200%.
Tal desproporcionalidade, segundo a requerente, evidencia o uso da máquina pública para promoção pessoal e obtenção de dividendos eleitorais, especialmente considerando que o município possui aproximadamente 5.000 habitantes.
1.3. Instrumentalização de Empresas Terceirizadas com Desvio de Finalidade
A requerente sustenta que os investigados utilizaram as empresas AZ Arroyo Ltda e Raj do Brasil Serviços e Construções Ltda, prestadoras de serviços ao município, como ferramentas para a prática de ilícitos eleitorais. Alega que os contratos com essas empresas foram significativamente inflados no período eleitoral para permitir a contratação massiva de eleitores, criando uma relação de dependência econômica.
Aponta, ainda, a coação de funcionários dessas empresas para apoiar a campanha dos investigados e a utilização de seus serviços para a concessão de benefícios indevidos à população, como a limpeza gratuita de calçadas, cuja responsabilidade, segundo a Lei Municipal nº 37/2023 (Código de Posturas), é dos próprios munícipes (ID 134546526).
1.4. Defesa dos Investigados
Devidamente citados (ID 135030975), os investigados apresentaram defesa (ID 135068322) e, posteriormente, alegações finais (ID 136877385), arguindo, em sede preliminar: a) Litispendência em relação à AIJE nº 0600874-08.2024.6.26.0245, que já teria tratado da contratação das empresas terceirizadas; b) Ilegitimidade ativa da coligação por ausência de prova da aprovação unânime dos partidos integrantes para o ajuizamento da ação após o período eleitoral; c) Preclusão para juntada de novas provas pela parte autora; d) Cerceamento de defesa pelo indeferimento de diligências e pela ausência de uma testemunha em audiência; e) Suspeição das testemunhas arroladas pela acusação, por terem interesse direto no resultado da lide.
No mérito, refutaram as acusações, sustentando, em síntese, que: a) A distribuição de cestas básicas decorre de programa social legal e preexistente (Lei Municipal nº 2.036/2021), sendo o aumento justificado pela necessidade de executar “verbas carimbadas” repassadas pelo Governo do Estado, cuja execução era obrigatória; b) Os gastos gerais com benefícios não foram detalhados pela requerente, tratando-se de alegação genérica; c) Os contratos de terceirização foram firmados pela gestão anterior e a contratação de pessoal por empresas privadas não se submete às vedações do art. 73, V, da Lei das Eleições. Ademais, estavam apenas executando o orçamento de 2024 (Lei Municipal nº 2.126/2023), elaborado e aprovado pela administração precedente; d) Não houve qualquer ato de promoção pessoal ou finalidade eleitoreira nas ações da administração, tratando-se de atos de gestão discricionária.
1.5. Juntada de Novas Provas
No curso da instrução, a parte requerente peticionou (IDs 136210275 e 136514007) para juntar novas provas, consistentes em: a) Ata Notarial de conversa via WhatsApp em que a investigada Silvana Perin supostamente oferece vantagem pecuniária para custear o transporte de eleitores (ID 136210282); b) Ata Notarial de conversa que indicaria a influência da investigada nas contratações das empresas terceirizadas (ID 136210279); c) Escritura Pública de Declaração de Felipe Nunes da Conceição Canello, ex-funcionário da AZ Arroyo, que relata ter sido coagido, juntamente com outros colegas, em reunião realizada em 04 de outubro de 2024 com os investigados e os proprietários da empresa, a apoiar a campanha sob ameaça de demissão (ID 136514566).
Os investigados se manifestaram (ID 136653846), pugnando pelo adiamento da audiência e questionando a juntada extemporânea dos novos documentos. O pedido de adiamento foi indeferido, postergando-se a análise sobre a admissibilidade dos documentos para o momento da audiência (ID 136662947).
1.6. Instrução Processual e Parecer Ministerial
Encerrada a fase instrutória, com a realização de audiência para oitiva de testemunhas em 13 de agosto de 2025, as partes apresentaram suas alegações finais, reiterando suas teses.
Durante a audiência de instrução, realizada de forma remota (ID 136497978), a defesa não conseguiu produzir o depoimento de uma de suas testemunhas, cuja ausência foi justificada posteriormente, em 20 de agosto de 2025, mediante apresentação de atestado médico (ID 136877387), ou seja, uma semana após a realização do ato processual.
O Ministério Público Eleitoral, devidamente intimado a apresentar parecer, deixou transcorrer o prazo in albis, conforme certidão de ID 136993183.
Os autos vieram conclusos para sentença. É o relatório. Decido.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral visa apurar a ocorrência de abuso de poder político e econômico, condutas que, se comprovadas e revestidas de gravidade, atentam contra a normalidade e a legitimidade do pleito, bens jurídicos tutelados pelo art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990.
2.1. ANÁLISE DAS QUESTÕES PROCESSUAIS PRELIMINARES
Antes de adentrar o mérito da causa, impõe-se a análise das questões preliminares suscitadas pela defesa que, desprovidas de fundamento fático e jurídico, revelam nítido caráter protelatório e devem ser rechaçadas de plano.
2.1.1. Da Litispendência e da Legitimidade Ativa da Coligação
Os investigados sustentam a existência de litispendência com a AIJE nº 0600874- 08.2024.6.26.0245, ao argumento de que aquela ação já teria apreciado a legalidade dos contratos com as empresas AZ Arroyo e Raj Brasil. Ademais, alegam a ilegitimidade ativa da coligação autora para propor a ação após o pleito.
As alegações não merecem prosperar.
A litispendência, nos termos do art. 337, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária ao processo eleitoral, pressupõe a identidade de partes, causa de pedir e pedido entre
duas ações em curso. Embora haja identidade parcial de partes e uma sobreposição temática no que tange aos contratos de terceirização, a causa de pedir da presente demanda é substancialmente mais ampla e distinta.
A jurisprudência da Justiça Eleitoral é pacífica no sentido de que um mesmo conjunto de fatos pode ser analisado sob diferentes prismas em ações distintas, como AIME e AIJE, sem que isso configure litispendência, pois os bens jurídicos tutelados são diversos. A ação anterior versava especificamente sobre a legalidade da contratação em si. A presente AIJE, por sua vez, não questiona a validade formal dos contratos, mas sim a sua instrumentalização com finalidade eleitoral, manifestada por um aumento desproporcional de despesas, pela coação de funcionários e pela oferta de benefícios indevidos à população — fatos que configuram uma causa de pedir diversa, centrada no desvio de finalidade da gestão pública.
Ademais, esta ação agrega fatos novos e autônomos, como o expressivo aumento na distribuição de cestas básicas e a elevação geral dos gastos com benefícios, que não foram objeto da lide anterior.
A análise do abuso de poder exige uma visão panorâmica e contextualizada do “conjunto da obra”. Tentar obstar a apuração de graves fatos com base em tal argumento é um formalismo exacerbado que atenta contra o direito de acesso à justiça.
No que tange à legitimidade ativa, o art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 confere legitimidade expressa aos partidos políticos e às coligações para a propositura da AIJE. A legislação eleitoral, notadamente o art. 6º da Lei nº 9.504/1997, estabelece que a coligação, para todos os efeitos perante a Justiça Eleitoral, funciona como um só partido no período da disputa.
O entendimento do Tribunal Superior Eleitoral é consolidado no sentido de que, encerrado o pleito, os partidos readquirem sua autonomia para atuar em juízo de forma isolada, não havendo que se falar em ilegitimidade da coligação para propor a presente ação após a diplomação. Esta ação foi ajuizada em 19 de dezembro de 2024, dentro do prazo legal, e a legitimidade da coligação, representada por quem de direito, deve ser reconhecida.
Rejeito as preliminares de litispendência e de ilegitimidade ativa.
- Da Preclusão para Juntada de Provas: A Contradição Defensiva
A defesa se insurge contra a juntada de novos documentos pela parte requerente (IDs 136210275 e 136514007), alegando a ocorrência de preclusão.
A tese é frágil e beira a má-fé processual.
A AIJE, por sua natureza investigatória, possui um caráter que mitiga o rigor formalista. O art.
22 da Lei Complementar nº 64/1990 confere ao juiz eleitoral amplos poderes instrutórios para buscar a verdade real dos fatos, visando à proteção do interesse público maior, que é a legitimidade do processo eleitoral.
A regra processual geral, de fato, estabelece que a prova documental deve acompanhar a petição inicial e a contestação. Contudo, o parágrafo único do art. 435 do CPC excepciona a regra, admitindo a juntada posterior de documentos “que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente”.
No caso em tela, os documentos apresentados — Atas Notariais e Escritura Pública de Declaração — amoldam-se perfeitamente à hipótese excepcional. Trata-se de provas cujo conhecimento e formalização, por sua própria natureza, ocorreram em momento posterior ao ajuizamento da ação, conforme demonstram as datas de lavratura dos próprios instrumentos públicos.
É fundamental distinguir “documento novo” de “fato novo“. Os documentos em questão não inauguram uma nova linha de acusação; ao contrário, servem como prova direta e robusta para as alegações já deduzidas na exordial. A Escritura Pública de Declaração (ID 136514566) e as Atas Notariais (IDs 136210279 e 136210282) apenas densificam o substrato probatório de fatos já articulados, sendo, portanto, provas novas sobre fatos antigos.
A jurisprudência admite a juntada extemporânea de documentos, desde que garantido o contraditório, o que foi devidamente observado nos autos. A defesa foi intimada para se manifestar e teve a oportunidade de contraditá-los em audiência e nas alegações finais.
Causa especial espécie, ademais, que a mesma defesa que argui com veemência a preclusão da parte autora tenha se sentido à vontade para juntar um vasto conjunto de novos documentos junto com suas alegações finais (ID 136877385 e seguintes). Tal comportamento contraditório, de “dois pesos e duas medidas”, não pode ser tolerado pelo Juízo e revela a fragilidade da argumentação defensiva.
A ampla capacidade instrutória do juiz, prevista no inciso VI do art. 22 da LC 64/90, que lhe permite determinar, de ofício, as diligências que julgar necessárias, reforça a legalidade da juntada de provas em qualquer fase do processo, visando à completa elucidação dos fatos.
Não há, portanto, qualquer nulidade a ser declarada.
2.1.3. Do Suposto Cerceamento de Defesa pela Ausência de Testemunha
A defesa alega cerceamento de defesa pela ausência de uma de suas testemunhas na audiência de instrução. A alegação é manifestamente improcedente e não resiste à menor análise.
Primeiramente, a audiência foi realizada de forma remota, conforme comprovam os autos (ID 136497978), em 13 de agosto de 2025. Este formato elimina grande parte dos obstáculos para o comparecimento, como deslocamento, custos com transporte e outras dificuldades logísticas. Uma eventual condição de saúde não impeditiva de locomoção poderia ser facilmente contornada pela participação virtual desde a residência ou local de tratamento da testemunha, não havendo qualquer prejuízo.
Em segundo lugar, a justificativa para a ausência, mediante apresentação de atestado médico (ID 136877387), foi juntada aos autos somente em 20 de agosto de 2025, ou seja, uma semana após a audiência já realizada. A apresentação tardia do documento esvazia sua força probatória como justificativa plausível e tempestiva, revelando-se como mera tentativa posterior de criar fundamento para uma alegação de nulidade.
Por fim, o rito da AIJE é reconhecidamente célere, e a responsabilidade de garantir o comparecimento das testemunhas arroladas é exclusiva da parte que as indicou. A inércia ou a incapacidade da defesa em assegurar a presença de sua testemunha, especialmente em uma audiência virtual que não exige deslocamento físico, não pode ser utilizada como manobra para anular atos processuais validamente realizados e retardar o desfecho da lide.
A ausência da testemunha, nestas circunstâncias, contraria a legislação eleitoral e configura ônus processual da própria defesa, não configurando cerceamento de defesa imputável ao Juízo.
Portanto, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa.
- Da Suspeição das Testemunhas da Acusação
A defesa argui a suspeição das testemunhas da acusação, por serem filiadas a partidos da coligação autora e possuírem interesse político na causa.
A mera filiação partidária ou o interesse político no desfecho da lide não torna as testemunhas automaticamente suspeitas ou inaptas a depor. O Código de Processo Civil, em seu art. 447, § 3º, estabelece que o juiz pode ouvir testemunhas suspeitas, impedidas ou indignas de fé, mas deve dar a seus depoimentos o valor que possam merecer.
Tal circunstância exige do julgador uma valoração mais criteriosa de seus depoimentos, que devem ser recebidos com reserva e confrontados com os demais elementos de prova, especialmente a documental. A prova testemunhal, neste caso, servirá como elemento corroborador do robusto acervo documental juntado aos autos, e não como fundamento único da decisão, conforme será demonstrado na análise de mérito.
Portanto, rejeito a preliminar de suspeição de testemunhas.
Superadas as preliminares, passo à análise do mérito.
2.2. ANÁLISE DO MÉRITO
2.2.1. Do Abuso de Poder Político e Econômico: Requisitos para Configuração
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral é o instrumento processual destinado a coibir práticas que atentem contra a normalidade e a legitimidade das eleições, protegendo a isonomia entre os candidatos e a liberdade de voto do eleitor. O art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 prevê a apuração de abuso do poder econômico, político ou de autoridade, e do uso indevido dos meios de comunicação.
Para a configuração do abuso, a jurisprudência do Colendo TSE exige a demonstração de dois elementos essenciais: a prática do ato e a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.
Com a alteração promovida pela Lei Complementar nº 135/2010 (“Lei da Ficha Limpa”), o critério da “potencialidade de alterar o resultado da eleição” foi substituído pela análise da “gravidade das circunstâncias” (art. 22, XVI, da LC 64/90). Essa gravidade deve ser aferida sob um duplo aspecto:
- Aspecto qualitativo: diz respeito à reprovabilidade da conduta e ao desvalor do ato em si, considerando sua natureza, a forma de execução e a violação aos princípios que regem o processo eleitoral;
- Aspecto quantitativo: refere-se à sua repercussão e alcance no contexto da eleição, ou seja, o número de eleitores potencialmente atingidos e o impacto sobre a isonomia da disputa.
É sob essa ótica que as condutas imputadas aos investigados serão analisadas.
2.2.2. Da Prova Oral Produzida em Juízo e a Confirmação do Abuso
Durante a audiência de instrução, a prova oral, valorada em conjunto com o robusto acervo documental, serviu para reforçar decisivamente a narrativa da acusação, especialmente no que tange ao uso da máquina pública para a prestação de serviços com nítido propósito eleitoreiro.
O depoimento da testemunha Pedro Vieira da Silva Júnior confirmou a intensificação dos serviços de limpeza de calçadas, executados por funcionários da empresa AZ Arroyo, em período próximo ao eleitoral, corroborando a tese de uso da estrutura contratada pelo poder público para concessão de benefícios indevidos ao eleitorado.
Da mesma forma, a testemunha Edson Alberto Cardoso relatou ter visto máquinas da
prefeitura realizando serviços de manutenção em estradas próximas a uma propriedade particular, o que reforça a tese de uso da estrutura pública para a concessão de benefícios a particulares com finalidade eleitoreira.
2.2.3. Da Confirmação do Desvio de Finalidade pelas Próprias Testemunhas de Defesa
De forma absolutamente contundente e decisiva para o deslinde da causa, a materialidade e o dolo das condutas foram corroborados pelos depoimentos de duas servidoras públicas arroladas pela própria defesa, cujas declarações, em vez de sustentarem a tese defensiva, acabaram por confirmar os fatos centrais da acusação em uma verdadeira confissão qualificada.
A primeira testemunha ouvida na audiência (ID 136720187), Andreia Benevides Quadrado, servidora responsável pelo setor de compras da prefeitura, foi categórica ao confirmar o aumento expressivo na aquisição de cestas básicas no período pré-eleitoral. Em seu depoimento, detalhou que, para além das compras rotineiras com verba municipal, foi realizada uma aquisição substancial com recursos de uma “verba carimbada” do Governo do Estado, que havia sido reprogramada do exercício de 2023.
O aspecto crucial do depoimento reside na seguinte afirmação: a decisão sobre o momento de executar essa verba coube à gestão, que optou por fazê-lo no segundo semestre de 2024, coincidindo exatamente com o período eleitoral.
O depoimento de Andreia é complementado pelo da testemunha Rute, servidora efetiva responsável pela emissão das notas de empenho, que também confirmou a existência da verba estadual e a necessidade de sua utilização para que não fosse devolvida.
Analisados em conjunto, os depoimentos das servidoras do setor de compras e de empenho funcionam como uma confissão qualificada dos fatos imputados na inicial. Ambas as testemunhas da defesa confirmam o fato central da acusação: a existência de um volume de recursos adicional e significativo, represado do ano anterior, que foi deliberadamente executado no período mais sensível do calendário eleitoral.
A justificativa de que a verba “precisava ser gasta” não afasta a ilicitude da conduta, pois a discricionariedade do gestor reside justamente na escolha do momento da despesa. Os recursos estavam disponíveis desde o exercício anterior de 2023. A opção por concentrar a distribuição de benefícios às vésperas do pleito, quando a atenção do eleitorado está voltada para a disputa, revela o claro desvio de finalidade e a intenção inequívoca de utilizar a máquina pública para influenciar o voto do eleitorado.
2.2.4. Da Distribuição de Cestas Básicas em Período Eleitoral
A acusação se fundamenta no aumento exponencial da aquisição de cestas básicas pela Prefeitura de Analândia no ano eleitoral. Os dados extraídos do Portal da Transparência, tanto pela acusação quanto pela defesa, são incontroversos e podem ser sintetizados na tabela abaixo:
A defesa argumenta que a distribuição se enquadra na exceção do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, por se tratar de programa social autorizado em lei (Lei Municipal nº 2.036/2021) e em execução orçamentária no exercício anterior. Ademais, justifica o aumento com base nos depoimentos das testemunhas Andreia e Rute, que mencionaram a necessidade de executar “verbas carimbadas” do Governo do Estado para não as perder.
A tese defensiva, contudo, não se sustenta.
O art. 73, § 10, da Lei das Eleições estabelece que: “§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programa social autorizado em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.” (grifei)
A exceção legal para programas sociais preexistentes não constitui um salvo-conduto para a
intensificação desmedida e oportunista de sua execução em ano eleitoral. A norma visa garantir a continuidade da assistência social, e não a sua instrumentalização como ferramenta de campanha.
A jurisprudência do TSE é firme ao assentar que o aumento expressivo e injustificado de um benefício social, coincidindo com o período crítico da campanha, descaracteriza a normalidade da execução do programa e evidencia o desvio de finalidade com propósito eleitoreiro.
No caso em análise, o salto de uma média de 50 cestas mensais, custeadas com recursos próprios do município, para 120 cestas em julho de 2024 — mês que marca o início do período vedado —, seguido por 70 cestas em setembro, não pode ser considerado mera coincidência ou flutuação normal da demanda.
O aumento de 140% em julho em relação à média, concentrado exatamente no mês mais sensível do calendário eleitoral, revela um padrão inequívoco de uso político do programa social.
A justificativa apresentada pela defesa, corroborada pelas próprias testemunhas de defesa, de que seria necessário executar “verbas carimbadas” do Estado, é frágil e juridicamente insuficiente por diversas razões:
Primeira: os recursos estavam disponíveis desde o exercício de 2023, conforme admitido pelas próprias testemunhas de defesa. A discricionariedade sobre o momento da execução cabia integralmente ao gestor municipal;
Segunda: não há nos autos qualquer documento oficial do Governo do Estado que determine a obrigatoriedade de execução naquele momento específico e naquela quantidade exata;
Terceira: a escolha de concentrar a distribuição de um volume tão superior de benefícios no período mais sensível do calendário eleitoral, quando a atenção do eleitorado está voltada para a disputa, constitui um ato de gestão direcionado a influenciar o eleitorado, utilizando-se da vulnerabilidade social como ferramenta de campanha;
Quarta: a mudança de fonte de recursos (de municipal para estadual) não altera a natureza do ato nem afasta sua reprovabilidade. O que está em análise não é a origem dos recursos, mas sim o desvio de finalidade na sua aplicação.
Os investigados não apresentaram qualquer justificativa plausível para tal incremento, como um desastre natural, uma crise social aguda e repentina, um aumento comprovado da demanda por assistência ou qualquer outro fator objetivo que legitimasse o aumento desproporcional justamente no período eleitoral.
A conduta possui alta reprovabilidade (aspecto qualitativo da gravidade), pois se vale da vulnerabilidade social de uma parcela significativa da população para criar uma percepção de
generosidade governamental vinculada à imagem dos candidatos à reeleição. Em um município com cerca de 5.000 habitantes, a distribuição de centenas de cestas básicas concentradas no período eleitoral tem um impacto quantitativo inegável e devastador para a isonomia da disputa.
2.2.5. Do Uso da Estrutura da Empresa Terceirizada para Coação e Captação de Votos
A gravidade do aumento de despesas com a empresa AZ Arroyo é exponencialmente agravada pela comprovação de que sua estrutura foi diretamente utilizada para fins de campanha, incluindo a coação de funcionários. A acusação trouxe aos autos provas robustas que demonstram o desvio de finalidade do contrato administrativo, transformando a empresa em um braço da campanha dos investigados.
Conforme narrado na petição inicial (ID 134542799), em 04 de outubro de 2024, foi realizada uma reunião na sede da empresa AZ Arroyo com a presença dos candidatos Silvana Perin e Valdemir Mascia, dos proprietários da empresa e de cerca de 40 funcionários. O objetivo do encontro foi um explícito “ato político de pedido de voto, apoio e engajamento na reta final da campanha”.
A coação exercida sobre os funcionários é evidenciada de forma inequívoca pela Escritura Pública de Declaração (ID 136514566) de Felipe Nunes da Conceição Canello, ex-funcionário da AZ Arroyo. Trata-se de documento público, dotado de fé pública, lavrado por tabelião, no qual o declarante, sob as penas da lei, narra fatos de sua experiência pessoal.
O declarante relata que, durante a reunião, os sócios da empresa e os candidatos afirmaram “repetitiva e insistentemente que todos deveriam dar pleno apoio político” à reeleição, “sob a ameaça de que seria a única forma dos funcionários manterem seus empregos“. Tal conduta — a ameaça de demissão em troca de apoio político — configura não apenas abuso de poder econômico, mas também captação ilícita de sufrágio, violando frontalmente a liberdade de voto do eleitor.
Ademais, na mesma declaração, o ex-funcionário afirma que os sócios da empresa “fizeram questão de enfatizar que a maioria dos funcionários haviam sido contratados através de intervenção direta da prefeita Silvana Perin“. Tal fato demonstra que o “inchaço” do contrato não visava apenas à ampliação dos serviços públicos, mas à criação de postos de trabalho como moeda de troca eleitoral, consolidando uma rede de dependência e apoio político custeada pelo erário.
A gravação de um vídeo de apoio com os funcionários ao final da reunião, posteriormente divulgado em redes sociais, apenas sela a comprovação do uso indevido da estrutura empresarial para constranger os colaboradores e promover a campanha dos investigados.
Esta declaração desvela um sofisticado esquema de abuso de poder que opera em múltiplas etapas:
Primeira etapa: O poder público infla artificialmente os contratos com empresas privadas, por meio de aumento desproporcional nos repasses, muito acima das necessidades reais do serviço público e concentrado no período eleitoral;
Segunda etapa: As empresas beneficiadas, por orientação ou indicação direta dos gestores públicos, utilizam os recursos para contratar eleitores, criando uma massa de trabalhadores economicamente dependente e politicamente vulnerável;
Terceira etapa: Os trabalhadores, cientes de que suas contratações decorreram de interferência política e dependentes do emprego para sua subsistência, são explicitamente coagidos a apoiar os candidatos, sob ameaça de perda do posto de trabalho.
Trata-se de uma forma moderna e dissimulada de “voto de cabresto“, que ataca frontalmente a liberdade de sufrágio, princípio basilar da democracia representativa. O voto deixa de ser livre quando o eleitor é colocado em situação de vulnerabilidade econômica criada artificialmente pelo poder público e, posteriormente, é coagido a manifestar seu apoio político como condição para manutenção de sua fonte de renda.
Ressalta-se que, embora a colaboração política e o abuso de poder econômico estejam fartamente demonstrados, a análise criteriosa dos autos não revelou qualquer prova de relação de parentesco entre os proprietários da empresa AZ Arroyo e os investigados, não se podendo afirmar a existência de vínculos familiares.
2.2.6. Do Aumento de Despesas com Serviços Terceirizados e da Limpeza de Calçadas
A acusação aponta um crescimento vertiginoso nos pagamentos às empresas AZ Arroyo e Raj Brasil, conforme demonstrado na tabela já apresentada no relatório, que evidencia aumentos entre 158% e 256% nos pagamentos realizados em setembro e outubro de 2024, em comparação com os mesmos períodos do ano anterior.
A defesa argumenta que estava apenas executando o orçamento de 2024 (Lei Municipal nº 2.126/2023), que foi elaborado e aprovado pela gestão anterior, do prefeito cassado. Este argumento busca transferir a responsabilidade e enquadrar os atos como mera gestão ordinária.
Tal linha de defesa confunde autorização orçamentária com obrigação de execução em um determinado ritmo e momento. A Lei Orçamentária Anual (LOA) autoriza a despesa e fixa o limite máximo de gasto, mas a decisão sobre quando, como e com que intensidade realizar os serviços é um ato discricionário do gestor em exercício.
A autorização orçamentária não constitui um comando vinculante de execução imediata e integral. O gestor público possui margem de discricionariedade para definir o cronograma de execução, devendo pautar suas escolhas pelos princípios constitucionais da administração pública, especialmente a impessoalidade e a moralidade administrativa.
A aceleração massiva de serviços públicos e, consequentemente, dos pagamentos a empresas terceirizadas, justamente nos meses de setembro e outubro de 2024 — período que antecede imediatamente a eleição —, quando os gestores são candidatos à reeleição, é um clássico exemplo de uso da máquina pública para criar uma percepção de eficiência e operosidade com fins eleitorais.
A gravidade da conduta é exponenciada pela prestação do serviço de limpeza de calçadas. Ao utilizar a empresa AZ Arroyo para executar gratuitamente um serviço que, por força do art. 22 da Lei Municipal nº 37/2023 (Código de Posturas), é de responsabilidade exclusiva dos proprietários dos imóveis, os investigados distribuíram um benefício direto e ilegal a um número indeterminado, mas certamente vasto, de eleitores.
Esse ato não apenas viola a legislação municipal, mas configura uma clara oferta de vantagem patrimonial custeada pelo erário, desequilibrando a disputa eleitoral. Trata-se de mais uma violação ao art. 73, § 10, da Lei das Eleições, que veda a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública no ano eleitoral.
A defesa não apresentou qualquer justificativa para a mudança de padrão na execução desse serviço. Não demonstrou a existência de uma emergência sanitária ou urbanística que justificasse a atuação gratuita e massiva da Prefeitura. Tampouco comprovou que houve a notificação prévia dos proprietários e a cobrança posterior do serviço, como determina a legislação municipal.
O aspecto mais grave dessa conduta é que ela foi realizada por meio da empresa terceirizada, ou seja, utilizando-se de um contrato inflado com recursos públicos para oferecer um benefício privado aos eleitores, em clara configuração de abuso de poder econômico.
2.2.7. Da Oferta de Vantagem para Transporte de Eleitores
A Ata Notarial da conversa de WhatsApp (ID 136210282), na qual a investigada Silvana Perin oferece dinheiro para custear o transporte de eleitores, embora se refira a um número aparentemente pequeno de pessoas, serve como prova do animus, da predisposição da candidata em utilizar recursos financeiros para garantir votos.
Ainda que isoladamente esse episódio pudesse ser considerado de menor gravidade, quando analisado no contexto do conjunto probatório, ele reforça a tese de uma estratégia deliberada e reiterada de uso de recursos econômicos para desequilibrar a disputa eleitoral.
A oferta de dinheiro para transporte de eleitores, além de configurar possível conduta prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 (transporte irregular de eleitores), demonstra a naturalidade com que a investigada utilizava recursos financeiros como moeda de troca política, corroborando a credibilidade das demais acusações de abuso de poder econômico.
2.2.8. Da Gravidade das Circunstâncias: Análise Conjunta das Condutas
A configuração do abuso de poder, nos termos do art. 22, XVI, da LC 64/90, exige a demonstração da gravidade das circunstâncias. Essa gravidade, como já explicitado, deve ser aferida sob um duplo aspecto: qualitativo e quantitativo.
A análise não pode se limitar a cada conduta isoladamente. O que caracteriza o abuso de poder, na espécie, é o “conjunto da obra” — a estratégia coordenada e multifacetada que utilizou diferentes vertentes da administração pública para maximizar o impacto eleitoral.
Não se trata de um ato isolado, mas de uma estratégia orquestrada que combinou múltiplas frentes de atuação: distribuição de cestas básicas, elevação geral de gastos com benefícios, inflação de contratos de terceirização, oferta de serviços públicos indevidos e coação de trabalhadores.
Sob o aspecto qualitativo, a gravidade é manifesta e extrema:
Primeiro: As condutas demonstram elevado grau de reprovabilidade, pois se valem sistematicamente da vulnerabilidade social (distribuição de alimentos), da dependência econômica (criação de empregos condicionados a apoio político) e da necessidade de serviços básicos (limpeza de calçadas) para influenciar o voto;
Segundo: A prova da coação de funcionários revela um profundo desrespeito pela liberdade de voto e pela dignidade dos trabalhadores, configurando uma conduta de extrema gravidade moral e jurídica. O cerceamento da liberdade política pelo uso da dependência econômica representa uma das formas mais odiosas de abuso de poder;
Terceiro: As condutas violam múltiplos princípios constitucionais e legais: a impessoalidade e a moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF), a isonomia entre os candidatos (art. 14,
§ 9º, da CF), a liberdade de voto e a legitimidade das eleições (art. 22 da LC 64/90);
Quarto: O desvio de finalidade é inequívoco e foi confessado pelas próprias testemunhas de defesa. Os atos praticados, embora formalmente inseridos no âmbito da gestão pública, tiveram como motivação preponderante — senão exclusiva — a obtenção de vantagem eleitoral, desvirtuando a função administrativa e transformando o Estado em instrumento de campanha;
Quinto: A discricionariedade quanto ao momento de execução das despesas, admitida pelas
servidoras do setor de compras e empenho, revela que a concentração de benefícios no período eleitoral foi uma escolha política deliberada, não uma imposição legal ou orçamentária.
Sob o aspecto quantitativo, a repercussão é inegável e devastadora:
Primeiro: Em um município com cerca de 5.000 habitantes, a distribuição de centenas de cestas básicas (considerando o aumento de 120 em julho e 70 em setembro, além da base regular), a concessão de serviços gratuitos de limpeza de calçadas a dezenas ou centenas de imóveis, e a criação de dezenas de postos de trabalho (40 funcionários em uma única reunião) impactam uma parcela substancial do eleitorado;
Segundo: A injeção de mais de meio milhão de reais (R$ 546.113,90) em benefícios e serviços gratuitos em um município de pequeno porte tem um poder de influência desproporcional sobre o eleitorado, criando um desequilíbrio insuperável na disputa;
Terceiro: O efeito multiplicador dessas ações não pode ser ignorado. Cada beneficiário direto (pessoa que recebeu cesta básica, teve a calçada limpa ou foi contratado) possui uma rede de familiares, amigos e vizinhos que são indiretamente alcançados pela percepção de generosidade e eficiência da administração;
Quarto: A simultaneidade das condutas, todas concentradas no período eleitoral e especialmente nos meses imediatamente anteriores ao pleito, revela uma estratégia de saturação do eleitorado com benefícios e serviços públicos, criando um ambiente de dependência e gratidão artificialmente direcionado aos candidatos à reeleição;
Quinto: A coação de aproximadamente 40 trabalhadores, em um município de pequeno porte, representa um impacto direto sobre uma parcela expressiva do eleitorado economicamente ativo, sem considerar seus familiares e círculos de convivência.
O “conjunto da obra” revela um plano deliberado para utilizar a posição de poder dos investigados a fim de assegurar a permanência no cargo, minando os pilares da democracia representativa. A normalidade e a legitimidade do pleito foram irremediavelmente maculadas por uma campanha de reeleição que se valeu, em larga escala, de recursos e prerrogativas públicas com finalidade eleitoreira.
Em um município de pequeno porte como Analândia, tais ações têm o poder de impactar diretamente a vida de uma parcela significativa do eleitorado, comprometendo a liberdade de voto e a igualdade de oportunidades entre os candidatos. A reprovabilidade das condutas (aspecto qualitativo) é elevada, pois se valem da vulnerabilidade social e da estrutura do Estado para fins privados de perpetuação no poder. O alcance das ações (aspecto quantitativo) é inegável, afetando centenas, senão milhares, de cidadãos.
A gravidade das circunstâncias, portanto, está robusta e inequivocamente comprovada, tanto em seu aspecto qualitativo quanto quantitativo.
2.2.9. Da Valoração da Prova e do Convencimento do Juízo
O conjunto probatório dos autos é robusto, convergente e, em muitos aspectos, confessório:
Prova documental: Os documentos extraídos do Portal da Transparência, juntados tanto pela acusação quanto pela defesa, são uníssonos em demonstrar o aumento desproporcional de gastos no período eleitoral. Trata-se de documentos oficiais, dotados de fé pública, que não foram eficazmente impugnados;
Prova notarial: As Atas Notariais e a Escritura Pública de Declaração são documentos públicos que gozam de presunção de veracidade. A declaração do ex-funcionário da AZ Arroyo, lavrada em cartório, sob as penas da lei, é especialmente contundente e não foi minimamente contraditada por prova em sentido contrário;
Prova testemunhal das testemunhas de acusação: Embora as testemunhas da acusação possuam vinculação política que exige valoração criteriosa, seus depoimentos, quando confrontados com o acervo documental, servem como elementos corroboradores das condutas narradas;
Prova testemunhal das próprias testemunhas de defesa: De forma decisiva, as servidoras públicas arroladas pela defesa — Andreia Benevides Quadrado e Rute — confirmaram os fatos centrais da acusação, especialmente a existência de recursos adicionais represados e a discricionariedade sobre o momento de sua execução, que foi deliberadamente concentrada no período eleitoral. Tais depoimentos funcionam como uma verdadeira confissão qualificada;
Ausência de contraprova eficaz: A defesa não apresentou qualquer elemento probatório robusto capaz de justificar os aumentos desproporcionais de gastos ou de infirmar as acusações de coação. As justificativas apresentadas (execução obrigatória de verbas estaduais, cumprimento de orçamento elaborado pela gestão anterior) são juridicamente insuficientes para afastar a caracterização do desvio de finalidade.
Diante desse quadro probatório, especialmente considerando que as próprias testemunhas de defesa confirmaram os fatos essenciais da acusação, o convencimento do Juízo é no sentido da plena configuração do abuso de poder político e econômico, com gravidade que justifica a aplicação das sanções mais severas previstas na legislação eleitoral.
Fica, portanto, caracterizada a prática de abuso de poder político e econômico, com gravidade suficiente para justificar as mais severas sanções previstas na legislação eleitoral, nos termos do art. 22, XIV e XVI, da Lei Complementar nº 64/1990.
III. DISPOSITIVO
Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, com fundamento no art. 22, incisos XIV e XVI, da Lei Complementar nº 64/1990, afasto as preliminares e, no mérito, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral, para RECONHECER a prática de abuso de poder político e econômico por parte dos investigados SILVANA MARCIA PERIN CAMPBELL PENNA e VALDEMIR MASCIA nas Eleições
Municipais de 2024 no Município de Analândia/SP.
Em consequência do reconhecimento do abuso de poder político e econômico, com fundamento no art. 22, inciso XIV, da Lei Complementar nº 64/1990, APLICO as seguintes sanções aos investigados:
- CASSO os diplomas de Prefeita e Vice-Prefeito do Município de Analândia/SP, outorgados, respectivamente, a SILVANA MARCIA PERIN CAMPBELL PENNA e VALDEMIR
MASCIA nas Eleições Municipais de 2024;
b) DECLARO A INELEGIBILIDADE de SILVANA MARCIA PERIN CAMPBELL
PENNA e VALDEMIR MASCIA para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição de 2024, ou seja, até o ano de 2032, inclusive.
DETERMINO:
- A comunicação imediata, com urgência, ao Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo para as providências cabíveis, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral, incluindo: i) O afastamento imediato dos cassados dos cargos de Prefeita e Vice-Prefeito; ii) A análise quanto à necessidade de convocação de novas eleições para os cargos majoritários no Município de Analândia/SP; iii) A adoção de medidas transitórias para garantir a continuidade administrativa do município;
- Após o trânsito em julgado desta sentença: i) Procedam-se às anotações necessárias nos cadastros da Justiça Eleitoral quanto à inelegibilidade dos investigados; ii) Oficie-se ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo para conhecimento e providências de sua competência; iii) Arquivem-se os autos com as cautelas de praxe.
CUSTAS na forma da lei. P.R.I.
Rio Claro, datado e assinado eletronicamente.
LEONARDO CHRISTIANO MELO
Juiz Eleitoral
Última distribuição : 19/12/2024
Valor da causa: R$ 0,00
Assuntos: Abuso – De Poder Econômico, Abuso – De Poder Político/Autoridade, Captação Ilícita de Sufrágio
Segredo de Justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes | Advogados |
COLIGAÇÃO ANALÂNDIA DO BEM (REQUERENTE) | |
KATIA PEREIRA LOPES VIVALDINI (ADVOGADO) LUIS FERNANDO PESTANA (ADVOGADO) | |
SILVANA MARCIA PERIN CAMPBELL PENNA (INVESTIGADA) | |
VICTOR RONCATTO PIOVEZAN (ADVOGADO) | |
VALDEMIR MASCIA (INVESTIGADO) | |
VICTOR RONCATTO PIOVEZAN (ADVOGADO) |
Outros participantes | ||||
PROMOTOR ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO (FISCAL DA LEI) | ||||
Documentos | ||||
Id. | Data da Assinatura | Documento | Tipo | |
136993185 | 30/09/2025 14:11 | Sentença | ||

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SÃO PAULO JUÍZO DA 245ª ZONA ELEITORAL DE RIO CLARO SP
PROCESSO nº 0600897-51.2024.6.26.0245
CLASSE PROCESSUAL: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527)
REQUERENTE: COLIGAÇÃO ANALÂNDIA DO BEM
Representantes do(a) REQUERENTE: KATIA PEREIRA LOPES VIVALDINI – SP503185, LUIS FERNANDO PESTANA – SP208792
INVESTIGADA: SILVANA MARCIA PERIN CAMPBELL PENNA INVESTIGADO: VALDEMIR MASCIA
Representante do(a) INVESTIGADA: VICTOR RONCATTO PIOVEZAN – SP242595 Representante do(a) INVESTIGADO: VICTOR RONCATTO PIOVEZAN – SP242595
SENTENÇA
- RELATÓRIO
Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), ajuizada em 19 de dezembro de 2024 pela Coligação Analândia do Bem, composta pelos partidos MDB, PP, PSD e PSB, em face de Silvana Marcia Perin Campbell Penna e Valdemir Mascia, eleitos, respectivamente, para os cargos de Prefeita e Vice-Prefeito do Município de Analândia/SP no pleito de 2024.
A coligação requerente imputa aos investigados a prática de abuso de poder político e econômico, com o objetivo de influenciar ilicitamente o resultado das eleições, em violação ao disposto no artigo 22 da Lei Complementar nº 64/1990. As alegações, detalhadamente expostas na petição inicial (ID 134542799), fundamentam-se em três eixos principais de condutas consideradas ilícitas:
1.1. Aumento Desproporcional na Distribuição de Cestas Básicas
A requerente alega que a administração municipal, sob gestão dos investigados, intensificou de forma anômala a aquisição e distribuição de cestas básicas durante o período eleitoral. Aponta que a média mensal de aquisição, que era de 50 unidades no primeiro semestre de 2024, saltou para 120 unidades em julho e 70 unidades em setembro do mesmo ano, representando um aumento de até 140%.
Sustenta que tal incremento, não justificado por qualquer emergência social documentada, visava à captação ilícita de sufrágio, em afronta ao art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997. Para corroborar sua tese, anexou documentos de empenho e demonstrativos de despesas (IDs 134542805 a 134542811).
1.2. Elevação Exponencial de Gastos com Distribuição Gratuita de Bens e Serviços
A exordial aponta discrepância vultosa nos gastos gerais do município com a rubrica “Material, Bem ou Serviço para Distribuição Gratuita”. Demonstra que, enquanto em todo o exercício de 2023 foram despendidos R$ 40.281,22, no ano eleitoral de 2024, até o mês de outubro, o montante atingiu a cifra de R$ 546.113,90, representando um aumento superior a 1.200%.
Tal desproporcionalidade, segundo a requerente, evidencia o uso da máquina pública para promoção pessoal e obtenção de dividendos eleitorais, especialmente considerando que o município possui aproximadamente 5.000 habitantes.
1.3. Instrumentalização de Empresas Terceirizadas com Desvio de Finalidade
A requerente sustenta que os investigados utilizaram as empresas AZ Arroyo Ltda e Raj do Brasil Serviços e Construções Ltda, prestadoras de serviços ao município, como ferramentas para a prática de ilícitos eleitorais. Alega que os contratos com essas empresas foram significativamente inflados no período eleitoral para permitir a contratação massiva de eleitores, criando uma relação de dependência econômica.
Aponta, ainda, a coação de funcionários dessas empresas para apoiar a campanha dos investigados e a utilização de seus serviços para a concessão de benefícios indevidos à população, como a limpeza gratuita de calçadas, cuja responsabilidade, segundo a Lei Municipal nº 37/2023 (Código de Posturas), é dos próprios munícipes (ID 134546526).
1.4. Defesa dos Investigados
Devidamente citados (ID 135030975), os investigados apresentaram defesa (ID 135068322) e, posteriormente, alegações finais (ID 136877385), arguindo, em sede preliminar: a) Litispendência em relação à AIJE nº 0600874-08.2024.6.26.0245, que já teria tratado da contratação das empresas terceirizadas; b) Ilegitimidade ativa da coligação por ausência de prova da aprovação unânime dos partidos integrantes para o ajuizamento da ação após o período eleitoral; c) Preclusão para juntada de novas provas pela parte autora; d) Cerceamento de defesa pelo indeferimento de diligências e pela ausência de uma testemunha em audiência; e) Suspeição das testemunhas arroladas pela acusação, por terem interesse direto no resultado da lide.
No mérito, refutaram as acusações, sustentando, em síntese, que: a) A distribuição de cestas básicas decorre de programa social legal e preexistente (Lei Municipal nº 2.036/2021), sendo o aumento justificado pela necessidade de executar “verbas carimbadas” repassadas pelo Governo do Estado, cuja execução era obrigatória; b) Os gastos gerais com benefícios não foram detalhados pela requerente, tratando-se de alegação genérica; c) Os contratos de terceirização foram firmados pela gestão anterior e a contratação de pessoal por empresas privadas não se submete às vedações do art. 73, V, da Lei das Eleições. Ademais, estavam apenas executando o orçamento de 2024 (Lei Municipal nº 2.126/2023), elaborado e aprovado pela administração precedente; d) Não houve qualquer ato de promoção pessoal ou finalidade eleitoreira nas ações da administração, tratando-se de atos de gestão discricionária.
1.5. Juntada de Novas Provas
No curso da instrução, a parte requerente peticionou (IDs 136210275 e 136514007) para juntar novas provas, consistentes em: a) Ata Notarial de conversa via WhatsApp em que a investigada Silvana Perin supostamente oferece vantagem pecuniária para custear o transporte de eleitores (ID 136210282); b) Ata Notarial de conversa que indicaria a influência da investigada nas contratações das empresas terceirizadas (ID 136210279); c) Escritura Pública de Declaração de Felipe Nunes da Conceição Canello, ex-funcionário da AZ Arroyo, que relata ter sido coagido, juntamente com outros colegas, em reunião realizada em 04 de outubro de 2024 com os investigados e os proprietários da empresa, a apoiar a campanha sob ameaça de demissão (ID 136514566).
Os investigados se manifestaram (ID 136653846), pugnando pelo adiamento da audiência e questionando a juntada extemporânea dos novos documentos. O pedido de adiamento foi indeferido, postergando-se a análise sobre a admissibilidade dos documentos para o momento da audiência (ID 136662947).
1.6. Instrução Processual e Parecer Ministerial
Encerrada a fase instrutória, com a realização de audiência para oitiva de testemunhas em 13 de agosto de 2025, as partes apresentaram suas alegações finais, reiterando suas teses.
Durante a audiência de instrução, realizada de forma remota (ID 136497978), a defesa não conseguiu produzir o depoimento de uma de suas testemunhas, cuja ausência foi justificada posteriormente, em 20 de agosto de 2025, mediante apresentação de atestado médico (ID 136877387), ou seja, uma semana após a realização do ato processual.
O Ministério Público Eleitoral, devidamente intimado a apresentar parecer, deixou transcorrer o prazo in albis, conforme certidão de ID 136993183.
Os autos vieram conclusos para sentença. É o relatório. Decido.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral visa apurar a ocorrência de abuso de poder político e econômico, condutas que, se comprovadas e revestidas de gravidade, atentam contra a normalidade e a legitimidade do pleito, bens jurídicos tutelados pelo art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990.
2.1. ANÁLISE DAS QUESTÕES PROCESSUAIS PRELIMINARES
Antes de adentrar o mérito da causa, impõe-se a análise das questões preliminares suscitadas pela defesa que, desprovidas de fundamento fático e jurídico, revelam nítido caráter protelatório e devem ser rechaçadas de plano.
2.1.1. Da Litispendência e da Legitimidade Ativa da Coligação
Os investigados sustentam a existência de litispendência com a AIJE nº 0600874- 08.2024.6.26.0245, ao argumento de que aquela ação já teria apreciado a legalidade dos contratos com as empresas AZ Arroyo e Raj Brasil. Ademais, alegam a ilegitimidade ativa da coligação autora para propor a ação após o pleito.
As alegações não merecem prosperar.
A litispendência, nos termos do art. 337, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária ao processo eleitoral, pressupõe a identidade de partes, causa de pedir e pedido entre
duas ações em curso. Embora haja identidade parcial de partes e uma sobreposição temática no que tange aos contratos de terceirização, a causa de pedir da presente demanda é substancialmente mais ampla e distinta.
A jurisprudência da Justiça Eleitoral é pacífica no sentido de que um mesmo conjunto de fatos pode ser analisado sob diferentes prismas em ações distintas, como AIME e AIJE, sem que isso configure litispendência, pois os bens jurídicos tutelados são diversos. A ação anterior versava especificamente sobre a legalidade da contratação em si. A presente AIJE, por sua vez, não questiona a validade formal dos contratos, mas sim a sua instrumentalização com finalidade eleitoral, manifestada por um aumento desproporcional de despesas, pela coação de funcionários e pela oferta de benefícios indevidos à população — fatos que configuram uma causa de pedir diversa, centrada no desvio de finalidade da gestão pública.
Ademais, esta ação agrega fatos novos e autônomos, como o expressivo aumento na distribuição de cestas básicas e a elevação geral dos gastos com benefícios, que não foram objeto da lide anterior.
A análise do abuso de poder exige uma visão panorâmica e contextualizada do “conjunto da obra”. Tentar obstar a apuração de graves fatos com base em tal argumento é um formalismo exacerbado que atenta contra o direito de acesso à justiça.
No que tange à legitimidade ativa, o art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 confere legitimidade expressa aos partidos políticos e às coligações para a propositura da AIJE. A legislação eleitoral, notadamente o art. 6º da Lei nº 9.504/1997, estabelece que a coligação, para todos os efeitos perante a Justiça Eleitoral, funciona como um só partido no período da disputa.
O entendimento do Tribunal Superior Eleitoral é consolidado no sentido de que, encerrado o pleito, os partidos readquirem sua autonomia para atuar em juízo de forma isolada, não havendo que se falar em ilegitimidade da coligação para propor a presente ação após a diplomação. Esta ação foi ajuizada em 19 de dezembro de 2024, dentro do prazo legal, e a legitimidade da coligação, representada por quem de direito, deve ser reconhecida.
Rejeito as preliminares de litispendência e de ilegitimidade ativa.
- Da Preclusão para Juntada de Provas: A Contradição Defensiva
A defesa se insurge contra a juntada de novos documentos pela parte requerente (IDs 136210275 e 136514007), alegando a ocorrência de preclusão.
A tese é frágil e beira a má-fé processual.
A AIJE, por sua natureza investigatória, possui um caráter que mitiga o rigor formalista. O art.
22 da Lei Complementar nº 64/1990 confere ao juiz eleitoral amplos poderes instrutórios para buscar a verdade real dos fatos, visando à proteção do interesse público maior, que é a legitimidade do processo eleitoral.
A regra processual geral, de fato, estabelece que a prova documental deve acompanhar a petição inicial e a contestação. Contudo, o parágrafo único do art. 435 do CPC excepciona a regra, admitindo a juntada posterior de documentos “que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente”.
No caso em tela, os documentos apresentados — Atas Notariais e Escritura Pública de Declaração — amoldam-se perfeitamente à hipótese excepcional. Trata-se de provas cujo conhecimento e formalização, por sua própria natureza, ocorreram em momento posterior ao ajuizamento da ação, conforme demonstram as datas de lavratura dos próprios instrumentos públicos.
É fundamental distinguir “documento novo” de “fato novo“. Os documentos em questão não inauguram uma nova linha de acusação; ao contrário, servem como prova direta e robusta para as alegações já deduzidas na exordial. A Escritura Pública de Declaração (ID 136514566) e as Atas Notariais (IDs 136210279 e 136210282) apenas densificam o substrato probatório de fatos já articulados, sendo, portanto, provas novas sobre fatos antigos.
A jurisprudência admite a juntada extemporânea de documentos, desde que garantido o contraditório, o que foi devidamente observado nos autos. A defesa foi intimada para se manifestar e teve a oportunidade de contraditá-los em audiência e nas alegações finais.
Causa especial espécie, ademais, que a mesma defesa que argui com veemência a preclusão da parte autora tenha se sentido à vontade para juntar um vasto conjunto de novos documentos junto com suas alegações finais (ID 136877385 e seguintes). Tal comportamento contraditório, de “dois pesos e duas medidas”, não pode ser tolerado pelo Juízo e revela a fragilidade da argumentação defensiva.
A ampla capacidade instrutória do juiz, prevista no inciso VI do art. 22 da LC 64/90, que lhe permite determinar, de ofício, as diligências que julgar necessárias, reforça a legalidade da juntada de provas em qualquer fase do processo, visando à completa elucidação dos fatos.
Não há, portanto, qualquer nulidade a ser declarada.
2.1.3. Do Suposto Cerceamento de Defesa pela Ausência de Testemunha
A defesa alega cerceamento de defesa pela ausência de uma de suas testemunhas na audiência de instrução. A alegação é manifestamente improcedente e não resiste à menor análise.
Primeiramente, a audiência foi realizada de forma remota, conforme comprovam os autos (ID 136497978), em 13 de agosto de 2025. Este formato elimina grande parte dos obstáculos para o comparecimento, como deslocamento, custos com transporte e outras dificuldades logísticas. Uma eventual condição de saúde não impeditiva de locomoção poderia ser facilmente contornada pela participação virtual desde a residência ou local de tratamento da testemunha, não havendo qualquer prejuízo.
Em segundo lugar, a justificativa para a ausência, mediante apresentação de atestado médico (ID 136877387), foi juntada aos autos somente em 20 de agosto de 2025, ou seja, uma semana após a audiência já realizada. A apresentação tardia do documento esvazia sua força probatória como justificativa plausível e tempestiva, revelando-se como mera tentativa posterior de criar fundamento para uma alegação de nulidade.
Por fim, o rito da AIJE é reconhecidamente célere, e a responsabilidade de garantir o comparecimento das testemunhas arroladas é exclusiva da parte que as indicou. A inércia ou a incapacidade da defesa em assegurar a presença de sua testemunha, especialmente em uma audiência virtual que não exige deslocamento físico, não pode ser utilizada como manobra para anular atos processuais validamente realizados e retardar o desfecho da lide.
A ausência da testemunha, nestas circunstâncias, contraria a legislação eleitoral e configura ônus processual da própria defesa, não configurando cerceamento de defesa imputável ao Juízo.
Portanto, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa.
- Da Suspeição das Testemunhas da Acusação
A defesa argui a suspeição das testemunhas da acusação, por serem filiadas a partidos da coligação autora e possuírem interesse político na causa.
A mera filiação partidária ou o interesse político no desfecho da lide não torna as testemunhas automaticamente suspeitas ou inaptas a depor. O Código de Processo Civil, em seu art. 447, § 3º, estabelece que o juiz pode ouvir testemunhas suspeitas, impedidas ou indignas de fé, mas deve dar a seus depoimentos o valor que possam merecer.
Tal circunstância exige do julgador uma valoração mais criteriosa de seus depoimentos, que devem ser recebidos com reserva e confrontados com os demais elementos de prova, especialmente a documental. A prova testemunhal, neste caso, servirá como elemento corroborador do robusto acervo documental juntado aos autos, e não como fundamento único da decisão, conforme será demonstrado na análise de mérito.
Portanto, rejeito a preliminar de suspeição de testemunhas.
Superadas as preliminares, passo à análise do mérito.
2.2. ANÁLISE DO MÉRITO
2.2.1. Do Abuso de Poder Político e Econômico: Requisitos para Configuração
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral é o instrumento processual destinado a coibir práticas que atentem contra a normalidade e a legitimidade das eleições, protegendo a isonomia entre os candidatos e a liberdade de voto do eleitor. O art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 prevê a apuração de abuso do poder econômico, político ou de autoridade, e do uso indevido dos meios de comunicação.
Para a configuração do abuso, a jurisprudência do Colendo TSE exige a demonstração de dois elementos essenciais: a prática do ato e a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.
Com a alteração promovida pela Lei Complementar nº 135/2010 (“Lei da Ficha Limpa”), o critério da “potencialidade de alterar o resultado da eleição” foi substituído pela análise da “gravidade das circunstâncias” (art. 22, XVI, da LC 64/90). Essa gravidade deve ser aferida sob um duplo aspecto:
- Aspecto qualitativo: diz respeito à reprovabilidade da conduta e ao desvalor do ato em si, considerando sua natureza, a forma de execução e a violação aos princípios que regem o processo eleitoral;
- Aspecto quantitativo: refere-se à sua repercussão e alcance no contexto da eleição, ou seja, o número de eleitores potencialmente atingidos e o impacto sobre a isonomia da disputa.
É sob essa ótica que as condutas imputadas aos investigados serão analisadas.
2.2.2. Da Prova Oral Produzida em Juízo e a Confirmação do Abuso
Durante a audiência de instrução, a prova oral, valorada em conjunto com o robusto acervo documental, serviu para reforçar decisivamente a narrativa da acusação, especialmente no que tange ao uso da máquina pública para a prestação de serviços com nítido propósito eleitoreiro.
O depoimento da testemunha Pedro Vieira da Silva Júnior confirmou a intensificação dos serviços de limpeza de calçadas, executados por funcionários da empresa AZ Arroyo, em período próximo ao eleitoral, corroborando a tese de uso da estrutura contratada pelo poder público para concessão de benefícios indevidos ao eleitorado.
Da mesma forma, a testemunha Edson Alberto Cardoso relatou ter visto máquinas da
prefeitura realizando serviços de manutenção em estradas próximas a uma propriedade particular, o que reforça a tese de uso da estrutura pública para a concessão de benefícios a particulares com finalidade eleitoreira.
2.2.3. Da Confirmação do Desvio de Finalidade pelas Próprias Testemunhas de Defesa
De forma absolutamente contundente e decisiva para o deslinde da causa, a materialidade e o dolo das condutas foram corroborados pelos depoimentos de duas servidoras públicas arroladas pela própria defesa, cujas declarações, em vez de sustentarem a tese defensiva, acabaram por confirmar os fatos centrais da acusação em uma verdadeira confissão qualificada.
A primeira testemunha ouvida na audiência (ID 136720187), Andreia Benevides Quadrado, servidora responsável pelo setor de compras da prefeitura, foi categórica ao confirmar o aumento expressivo na aquisição de cestas básicas no período pré-eleitoral. Em seu depoimento, detalhou que, para além das compras rotineiras com verba municipal, foi realizada uma aquisição substancial com recursos de uma “verba carimbada” do Governo do Estado, que havia sido reprogramada do exercício de 2023.
O aspecto crucial do depoimento reside na seguinte afirmação: a decisão sobre o momento de executar essa verba coube à gestão, que optou por fazê-lo no segundo semestre de 2024, coincidindo exatamente com o período eleitoral.
O depoimento de Andreia é complementado pelo da testemunha Rute, servidora efetiva responsável pela emissão das notas de empenho, que também confirmou a existência da verba estadual e a necessidade de sua utilização para que não fosse devolvida.
Analisados em conjunto, os depoimentos das servidoras do setor de compras e de empenho funcionam como uma confissão qualificada dos fatos imputados na inicial. Ambas as testemunhas da defesa confirmam o fato central da acusação: a existência de um volume de recursos adicional e significativo, represado do ano anterior, que foi deliberadamente executado no período mais sensível do calendário eleitoral.
A justificativa de que a verba “precisava ser gasta” não afasta a ilicitude da conduta, pois a discricionariedade do gestor reside justamente na escolha do momento da despesa. Os recursos estavam disponíveis desde o exercício anterior de 2023. A opção por concentrar a distribuição de benefícios às vésperas do pleito, quando a atenção do eleitorado está voltada para a disputa, revela o claro desvio de finalidade e a intenção inequívoca de utilizar a máquina pública para influenciar o voto do eleitorado.
2.2.4. Da Distribuição de Cestas Básicas em Período Eleitoral
A acusação se fundamenta no aumento exponencial da aquisição de cestas básicas pela Prefeitura de Analândia no ano eleitoral. Os dados extraídos do Portal da Transparência, tanto pela acusação quanto pela defesa, são incontroversos e podem ser sintetizados na tabela abaixo:
A defesa argumenta que a distribuição se enquadra na exceção do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, por se tratar de programa social autorizado em lei (Lei Municipal nº 2.036/2021) e em execução orçamentária no exercício anterior. Ademais, justifica o aumento com base nos depoimentos das testemunhas Andreia e Rute, que mencionaram a necessidade de executar “verbas carimbadas” do Governo do Estado para não as perder.
A tese defensiva, contudo, não se sustenta.
O art. 73, § 10, da Lei das Eleições estabelece que: “§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programa social autorizado em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.” (grifei)
A exceção legal para programas sociais preexistentes não constitui um salvo-conduto para a
intensificação desmedida e oportunista de sua execução em ano eleitoral. A norma visa garantir a continuidade da assistência social, e não a sua instrumentalização como ferramenta de campanha.
A jurisprudência do TSE é firme ao assentar que o aumento expressivo e injustificado de um benefício social, coincidindo com o período crítico da campanha, descaracteriza a normalidade da execução do programa e evidencia o desvio de finalidade com propósito eleitoreiro.
No caso em análise, o salto de uma média de 50 cestas mensais, custeadas com recursos próprios do município, para 120 cestas em julho de 2024 — mês que marca o início do período vedado —, seguido por 70 cestas em setembro, não pode ser considerado mera coincidência ou flutuação normal da demanda.
O aumento de 140% em julho em relação à média, concentrado exatamente no mês mais sensível do calendário eleitoral, revela um padrão inequívoco de uso político do programa social.
A justificativa apresentada pela defesa, corroborada pelas próprias testemunhas de defesa, de que seria necessário executar “verbas carimbadas” do Estado, é frágil e juridicamente insuficiente por diversas razões:
Primeira: os recursos estavam disponíveis desde o exercício de 2023, conforme admitido pelas próprias testemunhas de defesa. A discricionariedade sobre o momento da execução cabia integralmente ao gestor municipal;
Segunda: não há nos autos qualquer documento oficial do Governo do Estado que determine a obrigatoriedade de execução naquele momento específico e naquela quantidade exata;
Terceira: a escolha de concentrar a distribuição de um volume tão superior de benefícios no período mais sensível do calendário eleitoral, quando a atenção do eleitorado está voltada para a disputa, constitui um ato de gestão direcionado a influenciar o eleitorado, utilizando-se da vulnerabilidade social como ferramenta de campanha;
Quarta: a mudança de fonte de recursos (de municipal para estadual) não altera a natureza do ato nem afasta sua reprovabilidade. O que está em análise não é a origem dos recursos, mas sim o desvio de finalidade na sua aplicação.
Os investigados não apresentaram qualquer justificativa plausível para tal incremento, como um desastre natural, uma crise social aguda e repentina, um aumento comprovado da demanda por assistência ou qualquer outro fator objetivo que legitimasse o aumento desproporcional justamente no período eleitoral.
A conduta possui alta reprovabilidade (aspecto qualitativo da gravidade), pois se vale da vulnerabilidade social de uma parcela significativa da população para criar uma percepção de
generosidade governamental vinculada à imagem dos candidatos à reeleição. Em um município com cerca de 5.000 habitantes, a distribuição de centenas de cestas básicas concentradas no período eleitoral tem um impacto quantitativo inegável e devastador para a isonomia da disputa.
2.2.5. Do Uso da Estrutura da Empresa Terceirizada para Coação e Captação de Votos
A gravidade do aumento de despesas com a empresa AZ Arroyo é exponencialmente agravada pela comprovação de que sua estrutura foi diretamente utilizada para fins de campanha, incluindo a coação de funcionários. A acusação trouxe aos autos provas robustas que demonstram o desvio de finalidade do contrato administrativo, transformando a empresa em um braço da campanha dos investigados.
Conforme narrado na petição inicial (ID 134542799), em 04 de outubro de 2024, foi realizada uma reunião na sede da empresa AZ Arroyo com a presença dos candidatos Silvana Perin e Valdemir Mascia, dos proprietários da empresa e de cerca de 40 funcionários. O objetivo do encontro foi um explícito “ato político de pedido de voto, apoio e engajamento na reta final da campanha”.
A coação exercida sobre os funcionários é evidenciada de forma inequívoca pela Escritura Pública de Declaração (ID 136514566) de Felipe Nunes da Conceição Canello, ex-funcionário da AZ Arroyo. Trata-se de documento público, dotado de fé pública, lavrado por tabelião, no qual o declarante, sob as penas da lei, narra fatos de sua experiência pessoal.
O declarante relata que, durante a reunião, os sócios da empresa e os candidatos afirmaram “repetitiva e insistentemente que todos deveriam dar pleno apoio político” à reeleição, “sob a ameaça de que seria a única forma dos funcionários manterem seus empregos“. Tal conduta — a ameaça de demissão em troca de apoio político — configura não apenas abuso de poder econômico, mas também captação ilícita de sufrágio, violando frontalmente a liberdade de voto do eleitor.
Ademais, na mesma declaração, o ex-funcionário afirma que os sócios da empresa “fizeram questão de enfatizar que a maioria dos funcionários haviam sido contratados através de intervenção direta da prefeita Silvana Perin“. Tal fato demonstra que o “inchaço” do contrato não visava apenas à ampliação dos serviços públicos, mas à criação de postos de trabalho como moeda de troca eleitoral, consolidando uma rede de dependência e apoio político custeada pelo erário.
A gravação de um vídeo de apoio com os funcionários ao final da reunião, posteriormente divulgado em redes sociais, apenas sela a comprovação do uso indevido da estrutura empresarial para constranger os colaboradores e promover a campanha dos investigados.
Esta declaração desvela um sofisticado esquema de abuso de poder que opera em múltiplas etapas:
Primeira etapa: O poder público infla artificialmente os contratos com empresas privadas, por meio de aumento desproporcional nos repasses, muito acima das necessidades reais do serviço público e concentrado no período eleitoral;
Segunda etapa: As empresas beneficiadas, por orientação ou indicação direta dos gestores públicos, utilizam os recursos para contratar eleitores, criando uma massa de trabalhadores economicamente dependente e politicamente vulnerável;
Terceira etapa: Os trabalhadores, cientes de que suas contratações decorreram de interferência política e dependentes do emprego para sua subsistência, são explicitamente coagidos a apoiar os candidatos, sob ameaça de perda do posto de trabalho.
Trata-se de uma forma moderna e dissimulada de “voto de cabresto“, que ataca frontalmente a liberdade de sufrágio, princípio basilar da democracia representativa. O voto deixa de ser livre quando o eleitor é colocado em situação de vulnerabilidade econômica criada artificialmente pelo poder público e, posteriormente, é coagido a manifestar seu apoio político como condição para manutenção de sua fonte de renda.
Ressalta-se que, embora a colaboração política e o abuso de poder econômico estejam fartamente demonstrados, a análise criteriosa dos autos não revelou qualquer prova de relação de parentesco entre os proprietários da empresa AZ Arroyo e os investigados, não se podendo afirmar a existência de vínculos familiares.
2.2.6. Do Aumento de Despesas com Serviços Terceirizados e da Limpeza de Calçadas
A acusação aponta um crescimento vertiginoso nos pagamentos às empresas AZ Arroyo e Raj Brasil, conforme demonstrado na tabela já apresentada no relatório, que evidencia aumentos entre 158% e 256% nos pagamentos realizados em setembro e outubro de 2024, em comparação com os mesmos períodos do ano anterior.
A defesa argumenta que estava apenas executando o orçamento de 2024 (Lei Municipal nº 2.126/2023), que foi elaborado e aprovado pela gestão anterior, do prefeito cassado. Este argumento busca transferir a responsabilidade e enquadrar os atos como mera gestão ordinária.
Tal linha de defesa confunde autorização orçamentária com obrigação de execução em um determinado ritmo e momento. A Lei Orçamentária Anual (LOA) autoriza a despesa e fixa o limite máximo de gasto, mas a decisão sobre quando, como e com que intensidade realizar os serviços é um ato discricionário do gestor em exercício.
A autorização orçamentária não constitui um comando vinculante de execução imediata e integral. O gestor público possui margem de discricionariedade para definir o cronograma de execução, devendo pautar suas escolhas pelos princípios constitucionais da administração pública, especialmente a impessoalidade e a moralidade administrativa.
A aceleração massiva de serviços públicos e, consequentemente, dos pagamentos a empresas terceirizadas, justamente nos meses de setembro e outubro de 2024 — período que antecede imediatamente a eleição —, quando os gestores são candidatos à reeleição, é um clássico exemplo de uso da máquina pública para criar uma percepção de eficiência e operosidade com fins eleitorais.
A gravidade da conduta é exponenciada pela prestação do serviço de limpeza de calçadas. Ao utilizar a empresa AZ Arroyo para executar gratuitamente um serviço que, por força do art. 22 da Lei Municipal nº 37/2023 (Código de Posturas), é de responsabilidade exclusiva dos proprietários dos imóveis, os investigados distribuíram um benefício direto e ilegal a um número indeterminado, mas certamente vasto, de eleitores.
Esse ato não apenas viola a legislação municipal, mas configura uma clara oferta de vantagem patrimonial custeada pelo erário, desequilibrando a disputa eleitoral. Trata-se de mais uma violação ao art. 73, § 10, da Lei das Eleições, que veda a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública no ano eleitoral.
A defesa não apresentou qualquer justificativa para a mudança de padrão na execução desse serviço. Não demonstrou a existência de uma emergência sanitária ou urbanística que justificasse a atuação gratuita e massiva da Prefeitura. Tampouco comprovou que houve a notificação prévia dos proprietários e a cobrança posterior do serviço, como determina a legislação municipal.
O aspecto mais grave dessa conduta é que ela foi realizada por meio da empresa terceirizada, ou seja, utilizando-se de um contrato inflado com recursos públicos para oferecer um benefício privado aos eleitores, em clara configuração de abuso de poder econômico.
2.2.7. Da Oferta de Vantagem para Transporte de Eleitores
A Ata Notarial da conversa de WhatsApp (ID 136210282), na qual a investigada Silvana Perin oferece dinheiro para custear o transporte de eleitores, embora se refira a um número aparentemente pequeno de pessoas, serve como prova do animus, da predisposição da candidata em utilizar recursos financeiros para garantir votos.
Ainda que isoladamente esse episódio pudesse ser considerado de menor gravidade, quando analisado no contexto do conjunto probatório, ele reforça a tese de uma estratégia deliberada e reiterada de uso de recursos econômicos para desequilibrar a disputa eleitoral.
A oferta de dinheiro para transporte de eleitores, além de configurar possível conduta prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 (transporte irregular de eleitores), demonstra a naturalidade com que a investigada utilizava recursos financeiros como moeda de troca política, corroborando a credibilidade das demais acusações de abuso de poder econômico.
2.2.8. Da Gravidade das Circunstâncias: Análise Conjunta das Condutas
A configuração do abuso de poder, nos termos do art. 22, XVI, da LC 64/90, exige a demonstração da gravidade das circunstâncias. Essa gravidade, como já explicitado, deve ser aferida sob um duplo aspecto: qualitativo e quantitativo.
A análise não pode se limitar a cada conduta isoladamente. O que caracteriza o abuso de poder, na espécie, é o “conjunto da obra” — a estratégia coordenada e multifacetada que utilizou diferentes vertentes da administração pública para maximizar o impacto eleitoral.
Não se trata de um ato isolado, mas de uma estratégia orquestrada que combinou múltiplas frentes de atuação: distribuição de cestas básicas, elevação geral de gastos com benefícios, inflação de contratos de terceirização, oferta de serviços públicos indevidos e coação de trabalhadores.
Sob o aspecto qualitativo, a gravidade é manifesta e extrema:
Primeiro: As condutas demonstram elevado grau de reprovabilidade, pois se valem sistematicamente da vulnerabilidade social (distribuição de alimentos), da dependência econômica (criação de empregos condicionados a apoio político) e da necessidade de serviços básicos (limpeza de calçadas) para influenciar o voto;
Segundo: A prova da coação de funcionários revela um profundo desrespeito pela liberdade de voto e pela dignidade dos trabalhadores, configurando uma conduta de extrema gravidade moral e jurídica. O cerceamento da liberdade política pelo uso da dependência econômica representa uma das formas mais odiosas de abuso de poder;
Terceiro: As condutas violam múltiplos princípios constitucionais e legais: a impessoalidade e a moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF), a isonomia entre os candidatos (art. 14,
§ 9º, da CF), a liberdade de voto e a legitimidade das eleições (art. 22 da LC 64/90);
Quarto: O desvio de finalidade é inequívoco e foi confessado pelas próprias testemunhas de defesa. Os atos praticados, embora formalmente inseridos no âmbito da gestão pública, tiveram como motivação preponderante — senão exclusiva — a obtenção de vantagem eleitoral, desvirtuando a função administrativa e transformando o Estado em instrumento de campanha;
Quinto: A discricionariedade quanto ao momento de execução das despesas, admitida pelas
servidoras do setor de compras e empenho, revela que a concentração de benefícios no período eleitoral foi uma escolha política deliberada, não uma imposição legal ou orçamentária.
Sob o aspecto quantitativo, a repercussão é inegável e devastadora:
Primeiro: Em um município com cerca de 5.000 habitantes, a distribuição de centenas de cestas básicas (considerando o aumento de 120 em julho e 70 em setembro, além da base regular), a concessão de serviços gratuitos de limpeza de calçadas a dezenas ou centenas de imóveis, e a criação de dezenas de postos de trabalho (40 funcionários em uma única reunião) impactam uma parcela substancial do eleitorado;
Segundo: A injeção de mais de meio milhão de reais (R$ 546.113,90) em benefícios e serviços gratuitos em um município de pequeno porte tem um poder de influência desproporcional sobre o eleitorado, criando um desequilíbrio insuperável na disputa;
Terceiro: O efeito multiplicador dessas ações não pode ser ignorado. Cada beneficiário direto (pessoa que recebeu cesta básica, teve a calçada limpa ou foi contratado) possui uma rede de familiares, amigos e vizinhos que são indiretamente alcançados pela percepção de generosidade e eficiência da administração;
Quarto: A simultaneidade das condutas, todas concentradas no período eleitoral e especialmente nos meses imediatamente anteriores ao pleito, revela uma estratégia de saturação do eleitorado com benefícios e serviços públicos, criando um ambiente de dependência e gratidão artificialmente direcionado aos candidatos à reeleição;
Quinto: A coação de aproximadamente 40 trabalhadores, em um município de pequeno porte, representa um impacto direto sobre uma parcela expressiva do eleitorado economicamente ativo, sem considerar seus familiares e círculos de convivência.
O “conjunto da obra” revela um plano deliberado para utilizar a posição de poder dos investigados a fim de assegurar a permanência no cargo, minando os pilares da democracia representativa. A normalidade e a legitimidade do pleito foram irremediavelmente maculadas por uma campanha de reeleição que se valeu, em larga escala, de recursos e prerrogativas públicas com finalidade eleitoreira.
Em um município de pequeno porte como Analândia, tais ações têm o poder de impactar diretamente a vida de uma parcela significativa do eleitorado, comprometendo a liberdade de voto e a igualdade de oportunidades entre os candidatos. A reprovabilidade das condutas (aspecto qualitativo) é elevada, pois se valem da vulnerabilidade social e da estrutura do Estado para fins privados de perpetuação no poder. O alcance das ações (aspecto quantitativo) é inegável, afetando centenas, senão milhares, de cidadãos.
A gravidade das circunstâncias, portanto, está robusta e inequivocamente comprovada, tanto em seu aspecto qualitativo quanto quantitativo.
2.2.9. Da Valoração da Prova e do Convencimento do Juízo
O conjunto probatório dos autos é robusto, convergente e, em muitos aspectos, confessório:
Prova documental: Os documentos extraídos do Portal da Transparência, juntados tanto pela acusação quanto pela defesa, são uníssonos em demonstrar o aumento desproporcional de gastos no período eleitoral. Trata-se de documentos oficiais, dotados de fé pública, que não foram eficazmente impugnados;
Prova notarial: As Atas Notariais e a Escritura Pública de Declaração são documentos públicos que gozam de presunção de veracidade. A declaração do ex-funcionário da AZ Arroyo, lavrada em cartório, sob as penas da lei, é especialmente contundente e não foi minimamente contraditada por prova em sentido contrário;
Prova testemunhal das testemunhas de acusação: Embora as testemunhas da acusação possuam vinculação política que exige valoração criteriosa, seus depoimentos, quando confrontados com o acervo documental, servem como elementos corroboradores das condutas narradas;
Prova testemunhal das próprias testemunhas de defesa: De forma decisiva, as servidoras públicas arroladas pela defesa — Andreia Benevides Quadrado e Rute — confirmaram os fatos centrais da acusação, especialmente a existência de recursos adicionais represados e a discricionariedade sobre o momento de sua execução, que foi deliberadamente concentrada no período eleitoral. Tais depoimentos funcionam como uma verdadeira confissão qualificada;
Ausência de contraprova eficaz: A defesa não apresentou qualquer elemento probatório robusto capaz de justificar os aumentos desproporcionais de gastos ou de infirmar as acusações de coação. As justificativas apresentadas (execução obrigatória de verbas estaduais, cumprimento de orçamento elaborado pela gestão anterior) são juridicamente insuficientes para afastar a caracterização do desvio de finalidade.
Diante desse quadro probatório, especialmente considerando que as próprias testemunhas de defesa confirmaram os fatos essenciais da acusação, o convencimento do Juízo é no sentido da plena configuração do abuso de poder político e econômico, com gravidade que justifica a aplicação das sanções mais severas previstas na legislação eleitoral.
Fica, portanto, caracterizada a prática de abuso de poder político e econômico, com gravidade suficiente para justificar as mais severas sanções previstas na legislação eleitoral, nos termos do art. 22, XIV e XVI, da Lei Complementar nº 64/1990.
III. DISPOSITIVO
Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, com fundamento no art. 22, incisos XIV e XVI, da Lei Complementar nº 64/1990, afasto as preliminares e, no mérito, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral, para RECONHECER a prática de abuso de poder político e econômico por parte dos investigados SILVANA MARCIA PERIN CAMPBELL PENNA e VALDEMIR MASCIA nas Eleições
Municipais de 2024 no Município de Analândia/SP.
Em consequência do reconhecimento do abuso de poder político e econômico, com fundamento no art. 22, inciso XIV, da Lei Complementar nº 64/1990, APLICO as seguintes sanções aos investigados:
- CASSO os diplomas de Prefeita e Vice-Prefeito do Município de Analândia/SP, outorgados, respectivamente, a SILVANA MARCIA PERIN CAMPBELL PENNA e VALDEMIR
MASCIA nas Eleições Municipais de 2024;
b) DECLARO A INELEGIBILIDADE de SILVANA MARCIA PERIN CAMPBELL
PENNA e VALDEMIR MASCIA para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição de 2024, ou seja, até o ano de 2032, inclusive.
DETERMINO:
- A comunicação imediata, com urgência, ao Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo para as providências cabíveis, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral, incluindo: i) O afastamento imediato dos cassados dos cargos de Prefeita e Vice-Prefeito; ii) A análise quanto à necessidade de convocação de novas eleições para os cargos majoritários no Município de Analândia/SP; iii) A adoção de medidas transitórias para garantir a continuidade administrativa do município;
- Após o trânsito em julgado desta sentença: i) Procedam-se às anotações necessárias nos cadastros da Justiça Eleitoral quanto à inelegibilidade dos investigados; ii) Oficie-se ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo para conhecimento e providências de sua competência; iii) Arquivem-se os autos com as cautelas de praxe.
CUSTAS na forma da lei. P.R.I.
Rio Claro, datado e assinado eletronicamente.
LEONARDO CHRISTIANO MELO
Juiz Eleitoral
Reportagem em conclusão