Prefeito Lubrechet, leva invertida. Justiça determina repasse de R$ 150 mil da Prefeitura para serviço de hemodiálise em Pirassununga

Reportagem concluída as 14h30 de 18-09-25
A Justiça de Pirassununga determinou que a Prefeitura repasse, no prazo de cinco dias, o valor de R$ 150 mil destinado ao serviço de hemodiálise da Santa Casa de Misericórdia. A verba foi conquistada por meio de emenda parlamentar de um deputado federal Arlindo Chinaglia PT/SP, que atendeu solicitação de recursos do presidente municipal do PT, Professor Reginaldo, mas acabou sendo cadastrada pelo Executivo municipal com outra finalidade.
Na decisão, o juiz destacou que a conduta da administração municipal “caracteriza, em princípio, desvio de finalidade”, uma vez que a emenda tinha destinação inequívoca para a aquisição de insumos utilizados no tratamento de hemodiálise.
Segundo o magistrado, ao registrar o recurso em nome do Fundo Municipal de Saúde e cogitar uso diverso, o município “acabou por desvirtuar o objetivo fixado pelo parlamentar, produzindo ato administrativo eivado de nulidade”.
A determinação prevê ainda multa diária em caso de descumprimento do repasse.
O entendimento segue a jurisprudência consolidada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que reconhece o direito das entidades beneficiárias de emendas parlamentares ao recebimento direto dos recursos, sem obstáculos ou retenções por parte dos municípios.
Com a decisão, a Santa Casa de Pirassununga deverá receber integralmente os R$ 150 mil para garantir a continuidade do serviço de hemodiálise prestado à população. Caso a administração não faça a liberação, haverá multa diária de R$ 1.000.00.
Veja a decisão, do Juiz de Direito, Dr. Donek Hilsenrath Garcia
Processo Digital nº: 1003723-26.2025.8.26.0457
Classe – Assunto Procedimento Comum Cível – Prestação de Contas Requerente: Irmandade da Santa Casa de Misericordia de Pirassununga Requerido: Município de Pirassununga
Tramitação prioritária
Juiz(a) de Direito: Dr(a). DONEK HILSENRATH GARCIA
Processo 1714/25
Vistos.
Tratando-se de entidade filantrópica sem fins lucrativos e que atravessa, como é público e notório, grave crise financeira, concedo à autora os benefícios da justiça gratuita, procedendo-se às anotações necessárias e retificando-se o cadastro processual a fim de que o feito seja incluído no SubFluxo Fazenda Pública.
A presente ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência foi proposta pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pirassununga em face do Município de Pirassununga, objetivando o repasse integral da Emenda Parlamentar nº 31350016, no valor de R$ 150.000,00, destinada especificamente à aquisição de insumos necessários ao serviço de hemodiálise prestado pelo SENEPI.
A controvérsia decorre do tratamento irregular dispensado pelo Município à referida emenda parlamentar. Conforme demonstrado pela documentação acostada aos autos, a emenda foi destinada de forma específica e expressa à Santa Casa de Pirassununga, conforme ofício do próprio parlamentar autor, Deputado Federal Arlindo Chinaglia. No entanto, o Município cadastrou indevidamente o plano de trabalho em nome do Fundo Municipal de Saúde, vinculando o recurso à Prefeitura ao invés de destiná-lo à Santa Casa, conforme determinação original.
A análise dos elementos probatórios revela que em 17 de julho de
2025 a Santa Casa protocolou junto ao Executivo Municipal o Ofício nº 498/2025, notificando formalmente o requerido de que o valor da emenda não se tratava de verba genérica para o Município, mas sim de recurso específico destinado à instituição. Não obstante, conforme admitido pela própria Secretaria Municipal de Saúde, o Município havia cadastrado o plano de trabalho em 10 de julho de 2025, data anterior à notificação oficial pela Irmandade, demonstrando conduta precipitada e em desconformidade com a destinação original dos recursos.
O exame do pedido de tutela de urgência impõe a verificação dos requisitos estabelecidos no artigo 300 do Código de Processo Civil, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Quanto à probabilidade do direito (fumus boni iuris), encontra-se bem delineado, ao menos em exame perfunctório, pelos elementos de convicção até aqui coligidos. A Emenda Parlamentar nº 31350016 foi destinada de forma inequívoca à Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pirassununga, conforme documentação oficial do parlamentar autor. O ordenamento jurídico brasileiro estabelece vedação expressa a qualquer tentativa de desvirtuar essa finalidade vinculada.
O artigo 167, inciso VI, da Constituição Federal proíbe taxativamente a transposição, o remanejamento ou a utilização diversa da destinação de recursos públicos sem prévia autorização legislativa, assegurando que verbas carimbadas cumpram rigorosamente sua finalidade. De igual modo, o artigo 160 da Constituição Federal reforça essa proibição ao impedir a retenção ou qualquer condicionamento indevido de repasses obrigatórios, regra que se aplica por identidade de razões às transferências voluntárias vinculadas.
Outrossim, o artigo 198, parágrafo primeiro, da Constituição Federal determina que os recursos destinados à saúde possuem aplicação vinculada, não podendo ser desviados para outras finalidades, sob pena de violação direta ao princípio da legalidade e ao direito fundamental à saúde. Ademais, os princípios que regem a atividade administrativa, previstos no artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 9.784/1999, estabelecem a finalidade, a legalidade e a moralidade como parâmetros obrigatórios, sendo nulo o ato que desatenda a esses requisitos.
A conduta municipal caracteriza, em principio, desvio de finalidade pois a destinação da emenda parlamentar era inequívoca: aquisição de insumos destinados ao serviço de hemodiálise prestado pela Santa Casa. Ao cadastrar o recurso em nome do Fundo Municipal de Saúde e cogitar destinação diversa, o Município acabou por desvirtuar o objetivo fixado pelo parlamentar, produzindo ato administrativo eivado de nulidade.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo tem se manifestado de forma consistente no sentido de reconhecer o direito das entidades beneficiárias de emendas parlamentares ao recebimento direto dos recursos, sem obstáculos ou retenções por parte dos Municípios. Neste sentido, confira-se:
“APELACÃO CÍVEL. Direito administrativo. Mandado de segurança. Emenda parlamentar. Repasse de verba à Associação prestadora de serviços de saúde. Entidade sem fins lucrativos que foi contemplada com verba decorrente de emenda parlamentar para sua manutenção e custeio. Municipalidade de Valinhos que recusou a integração dos recursos ao Fundo Municipal de Saúde para posteriormente repassá-los à Impetrante – Ofensa a direito líquido e certo caracterizada. Associação que é a destinatária do recurso da emenda parlamentar, conforme disposições contidas na Portaria GM/MS n. 83/2022, não cabendo ao Município impor obstáculos ao seu recebimento ou retê-lo. Liberação do recurso pelo Município que não depende da formalização de convênio ou contrato com a entidade. Entidade filantrópica sem fins lucrativos que depende do repasse das verbas públicas para a consecução das suas atividades. Ponderação de interesses. Saúde pública que deve prevalecer sobre interesse fiscal. Situação enquadrável no art. 196 da CF. Aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Impetrante que, embora deva prestar contas pela utilização de verbas públicas aos órgãos de fiscalização, tem a faculdade de decidir como serão empregadas. Precedentes deste Eg.
Tribunal de Justiça. Decisão mantida. Recursos voluntário e oficial desprovidos.” (TJSP, Apelação/Remessa Necessária 1006474-
91.2022.8.26.0650, 10ª Câmara de Direito Público, Relator Desembargador Martins Vargas, j.29/04/2024, grifei).
E ainda:
“APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. Mandado de
Segurança. Verbas Parlamentares. Transferência de Recursos para Entidade Filantrópica, sem fins lucrativos, beneficiária de verbas provenientes de emendas parlamentares, destinadas à manutenção e custeio. Recusa da Municipalidade em repassar os recursos presentes no Fundo Municipal de Saúde. Violação a direito líquido e certo. Entidade filantrópica, destinatária dos recursos, não sujeita a obstáculos ou retenção por parte do Município. Liberação dos recursos pelo Município não requer formalização de convênio ou contrato com a entidade impetrada. Embora deva prestar contas aos órgãos de fiscalização pelo uso de verbas públicas, a entidade tem a autonomia de decidir sobre sua aplicação. RECURSO DE APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDOS.” (TJSP, Apelação Cível
1004105-27.2022.8.26.0650, 3ª Câmara de Direito Público, Relator Desembargador Paulo Cícero Augusto Pereira, j.07/03/2024, grifei).
Os precedentes jurisprudenciais mencionados estabelecem de forma cristalina que a entidade filantrópica beneficiária de emenda parlamentar é a destinatária legítima dos recursos, não cabendo ao Município impor obstáculos ao seu recebimento ou proceder à sua retenção. A liberação dos recursos não depende da formalização de convênio ou contrato com a entidade, devendo o ente municipal atuar como mero intermediador da transferência.
No que tange ao perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), também se encontra demonstrado nos autos. A inércia municipal coloca em risco a execução da emenda parlamentar, que pode perder sua finalidade ou mesmo ser aplicada em objeto diverso daquele para o qual foi originariamente indicada. A cada dia que se posterga a correta destinação, pacientes do Sistema Único de Saúde ficam expostos ao risco de descontinuidade ou precarização do serviço essencial de hemodiálise.
A Santa Casa de Misericórdia de Pirassununga é entidade filantrópica que integra de forma complementar o Sistema Único de Saúde, prestando serviços essenciais à população local. A manutenção adequada dos serviços de hemodiálise depende da disponibilidade de insumos específicos, cuja aquisição foi contemplada pela emenda parlamentar em questão. A demora no repasse compromete diretamente a qualidade e a continuidade do atendimento aos pacientes renais crônicos, configurando grave prejuízo à saúde pública.
Assim, presentes os requisitos legais, defiro a tutela de urgência para determinar ao Município de Pirassununga que proceda ao repasse integral da Emenda Parlamentar nº 31350016, no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), à Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pirassununga, no prazo de cinco dias úteis, contados da intimação desta decisão, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 e desde logo limitada a R$ 30.000,00.
Cite-se o requerido com as advertências de praxe.
Int
Pirassununga, 16 de setembro de 2025.